Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 2018.
Quarta-feira de cinzas
1. A cada ano a Igreja nos oferece a oportunidade de fazermos um caminho interior que
nos favoreça no amadurecimento da vida cristã. E os frutos, embora pareçam
pequenos, podem ser vistos na vida de cada pessoa que com seriedade se esmera em
aproveitar bem deste tempo.
2. Liturgia não é magia, não é faz de conta, liturgia é vida, e compreender isso é um
grande salto que temos que fazer se quisermos aproveitar bem daquilo que a Igreja
nos oferece. Neste tempo de quaresma em particular, a Igreja se cobre de cinzas na
quarta-feira de cinzas, e deseja que também os seus filhos e filhas façam o mesmo,
apenas para nos lembrar que somos pó, somos carentes do sustento de alguém que é
mais forte do que nós. A gente busca o apoio de tantas pessoas por considerarmos que
elas tem algo a nos oferecer que nós não temos. Na quarta-feira de cinzas fazemos
exatamente isso, porém, diante daquele é Eterno, reconhecemos nosso limite no
kronos.
3. Somos pó, sim, fomos feitos de pó, poeira, quando morrermos é nisso que nos
tornaremos, pó, depois que retirarem nossos ossos já ressequidos, no caso de
incinerarem é isso que restará. Será tão frágil e tão vulnerável que com um simples
sopro de uma criança se perde por completo e já não se pode saber mais onde esta
sequer aquela pequena porção.
4. Somos uma pequena porção de pó a quem foi dada uma porção generosa do Huah de
Deus, Ele quis nos dar seu sopro, quis dar sentido ao nosso nada, não lhe bastou nos
criar segundo sua imagem e semelhança, quis nos dar anima, quis que tivéssemos
vida, nos deu razão, nos fez capazes de amadurecer e fazer escolhas, inclusive
aquelas que não honram a Ele, nosso criador.
5. Ocorre que, no ciclo da existência, embora em alguns momentos esta verdade pareça
clara, em outros momentos ela é completamente esquecida. É justo neste momento
que nossas atitudes na relação com as pessoas ganham um tom mais arrogante e
autosuficiente. Agimos ou falamos como se não dependêssemos de ninguém para
nada. Como se nos bastássemos a nós mesmos. Ou seja, esquecemos que somos pó e
começamos a acreditar que somos deus.
6. Não leva muito tempo até nos darmos conta, por conta das consequências destas
atitudes, de que estamos errados, escolhemos o caminho errado, decidimos de forma
equivocada e precisamos retomar o caminho, reavaliar o percurso para voltar a tomar
decisões com sobriedade.
7. Acontece que, para evitar um sofrimento desnecessário ao longo da vida, é que temos
a oportunidade de fazer o exercício espiritual que é capaz de nos colocar em nosso
lugar. Dai a riqueza do tempo da quaresma. É esse o Tempo favorável, o tempo
propicio para criarmos consciência a respeito de quem nos somos.
8. É tão cheia de sensibilidade a nossa Igreja, e a tradição é tão generosa quando deseja
nos comunicar as coisas essências a respeito da nossa relação com Deus, que todos os
meios possíveis são usados para nos ajudar a mergulhar no mistério do Tempo
Litúrgico.
9. Nossos espaços litúrgicos estarão marcados pela presença da cor roxa que serve para
nos lembrar que estamos em um período de recolhimento, nossos instrumentos serão
mais silenciosos, não cantaremos ou rezaremos o hino do glória, bem como o aleluia
da Aclamação ao Evangelho na liturgia da Missa. Tudo isso para criar a atmosfera
favorável para que nos lembremos de quem somos.
10. Acontece que o retiro quaresmal não se resolve com o ambiente oferecido pela Igreja
para o nosso encontro com Deus. É preciso que haja disposição interior e que esta
disposição seja manifestada por cada pessoa. Caso contrário, vamos a Igreja na
quaresma, como quem vai visitar uma exposição em um museu. Achamos até muito
bonitas as obras de arte, mas elas nada tem a ver conosco, não estabelecemos
vínculos com ela.
11. A liturgia para criar o efeito ao qual se propõe em nossa vida, carece de uma abertura,
uma disposição e um posicionamento claro, de cada pessoa consigo mesma. Porque a
função da liturgia é provocar uma “erupção vulcânica em nossa alma” que faça vir
para fora tudo o que esta escondido dentro de nós. No caso da liturgia quaresmal, o
nosso pecado.
12. A nós então cabe admitir nossa fraqueza, e, para isso, precisamos tomar ações de
despojamento. É impossível conseguir fazer uso da razão para reconhecer-se pó se
temos tantas certezas a respeito de nós mesmos, de como somos ou como devemos
ser. Tudo o que sobra deve ser descartado. A grande parte das coisas que
consideramos importantes são falsas seguranças as quais estamos apegados e tem a
ver com a necessidade que temos de afirmar que somos auto suficientes.
13. Não guardamos apenas coisas materiais, sobretudo guardamos muitas coisas em
nossa alma, estão armazenadas em nossa mente e são pesadas. Elas nos dão uma falsa
sensação de segurança, porque ao lembrarmos delas dizemos: “eu sou assim…sempre
fui assim e não tenho que mudar para agradar a ninguém…” e é verdade…ninguém
precisa ser agradado pela nossa mudança de postura, no entanto, quanto mais peso
carregamos dentro de nós mesmos, menos seremos capazes de avançar no deserto.
Guarde isso: “No deserto resiste mais quem é mais leve”.
14. Então porque não se levar a sério nesta quaresma, começando por agendar e fazer
seus exercícios espirituais anuais, nossa família privilegia este tempo do retiro
pessoal em função deste encontro pessoal com o Senhor, para escuta-lo e para
solidificar as decisões que devem ser tomadas na vida. Para ter direção da parte de
Deus. Ao mesmo tempo a Quaresma já favorece para que este seja um tempo ainda
mais fecundo.
15. Tenho recebido inúmeras postagens que tratam dos exercícios de Jejum e abstinência.
Algumas dizem que foi o Papa que recomendou, isso para mim é secundário. O mais
importante é o efeito que o exercício espiritual fará na sua vida, os frutos de
fidelidade a Deus que irão gerar. O Jejum, a abstinência e a esmola (caridade) devem
ser exercícios encarnados na vida de cada pessoa, caso contrário são feitos como
mero legalismo que não ajudam a pessoa a crescer.
16. Vou lhe dar um exemplo: a pessoa faz jejum todos os dias e tem uma vida austera de
oração, em compensação esta sempre de mau humor, trata mal aqueles com quem
convive e consegue se enxergar. O Jejum que ela deveria fazer era do orgulho e não
da comida. A não ser que ao fazer o jejum do alimento ela criasse consciência do que
precisa ser mudado em sua vida.
17. A importância do Jejum do alimento esta no fato de que ao limparmos nosso
organismo das toxinas que não precisamos para viver, nossa mente também passa a
raciocinar com mais serenidade. Diminuir a quantidade nos ajuda a saber aquilo do
que realmente precisamos para viver.
18. A importância da abstinência diz respeito aquilo que falei antes em relação ao que
sobra, as atitudes. Pensamentos e palavras. Tudo o que esta demais precisa ser
podado, abster-se das atitudes que sobram é uma forma de silencio, e o silencio é o
jeito mais fecundo de se comunicar com Deus.
19. A Esmola diz respeito aquilo que fazemos para exercitar o bem. Seria até muito
superficial pensarmos esmola como aquela ajuda de algumas moedas que damos para
o garoto no sinal de transito ou para uma pessoa que nos aborda pedindo dinheiro
para comer. Esmola vai além, é o exercício do bem no cotidiano, nas relações diárias.
20. Sim, porque não basta deixar de fazer o mal ou treinar o espirito para escutar Deus e
aprender o bem, é preciso faze-lo. A esmola, que gostaria de chamar aqui de caridade,
é o exercício do bem. Eu diria de forma bem direta que para alguns ser gentil e
aprender a se comunicar já seria um excelente exercício. Ouvir com caridade, falar
com caridade, são um grande salto. Para mim em particular este é um exercício
necessário.
21. Eu desejo que em nossa família, alguns de nós sejamos despertados do torpor
espiritual no qual somos tentados a permanecer, para avançarmos neste processo de
amadurecimento que o tempo da quaresma nos oferece. Porque eu sei, quando
alguém faz esta experiência, os primeiros frutos que identificamos são: a alegria e a
disposição para o serviço do próximo.
22. Desejo que estes próximos 40 dias de quaresma sejam fecundos, que você se permita
levar ao deserto com Jesus. Escute a voz de Deus e esteja livre de toda e qualquer
amarra para avançar no caminho que Deus deseja para você.
23. Seja fiel no deserto.
Izaias de Souza Carneiro
Comunidade Coração Novo