O CACTO E A ILUSÃO DE ÓTICA O diálogo com as circunstâncias da vida

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  1. A existência humana no plano material é como um grande deserto cujas dimensões têm o exato tamanho da permanência de cada pessoa sobre a face da terra;

 

  1. Todos nós precisamos aprender a responder às exigências que este deserto chamado existência nos faz, temos que nos preparar para viver nele sem ser surpreendidos por seus mistérios;

 

  1. Embora eu nunca tenha tido que passar mais do que um dia no deserto (1999) e não seja um profundo conhecedor daquela realidade, tenho a graça de ter amigos com quem costumo conversar sobre esta desafiadora realidade;

 

  1. Eu já abordei este tema sobre outros aspectos, neste ano, no entanto, quero fazer um caminho de reflexão a partir do conceito do diálogo. Porque me parece ser este um indício da vida de quem busca com seriedade a verdadeira alegria;

 

  1. Quem não dialoga com o deserto é vencido por ele. Esta afirmação é a conclusão a que chego pensando na realidade espiritual do deserto em paralelo com nossa existência;

 

  1. Uma grande parte das pessoas que conheci e algumas que pude acompanhar ao longo de 27 anos de ministério eram pessoas profundamente infelizes. Algumas fizeram caminho e se libertaram da tristeza que se lhes assolava o Espírito, outras estão fazendo este caminho e outras ainda preferiram não fazer este caminho;

 

  1. O que está por detrás de tudo isso é sempre a abertura e à disposição que cada pessoa tem para aprender a dialogar e fazê-lo, consigo mesmo, com as pessoas e com toda a realidade que lhe cerca;
  2. É fundamental e por isso não podemos nos esquecer que: todo o caminho de maturidade humana é obra do Espírito Santo e sem Ele não somos nada. Ele é o sopro que nos dá vida;

 

  1. Porém, para identificar se o Espírito Santo está mesmo agindo em nossas vidas, ou seja, se estamos dando-lhe espaço para realizar a obra de Deus em nós, precisamos saber identificar os indícios, quero dizer, aquilo que indica que o Espírito Santo está agindo;

 

  1. Um desses indícios é certamente a abertura para o diálogo. Veja que não estou falando ainda do diálogo, mas da abertura para dialogar;

 

  1. Santo Agostinho dizia que a menor intenção de ser melhor já é amor. Então, a abertura para o diálogo seria esta menor intenção de amar. A partir da abertura, temos a possibilidade de construir o diálogo;

 

  1. Este tema é intrínseco ao deserto e por consequência trago-o durante a Quaresma porque ele será a chave para nossa relação conosco mesmo, na medida em que decidir-mo-nos dialogar com nossa história e estarmos dispostos a nos escutar com Misericórdia sem nos impor pesos que Jesus não imporia, mas ao mesmo tempo sendo disciplinados para vencer os desafios dos nossos desertos interiores;

 

  1. O diálogo é também a chave para nossa relação com os outros. Porque qualquer pessoa que quer impor aos outros sua maneira de pensar e de agir, está fadada a uma tristeza sem fim em sua alma que é consequência da decepção de constatar que muitas vezes a própria pessoa gostaria que sua forma de pensar e agir fosse diferente. Estou dizendo que nem mesmos nós somos obrigados a conviver eternamente com nossas manias e por isso nos damos o direito de sermos melhores. Quando não somos melhores para os outros, procurando dialogar com a diversidade presente em cada pessoa, nos sentimos depois de um tempo incompletos e esta é uma das principais razões da tristeza que muitas vezes abate nossa alma;

 

  1. O Espírito Santo gera o fruto da Alegria. E ele o faz porque é o único que convence a pessoa abrir-se a diversidade dos pensamentos. A relação com pessoas diferentes, no Espírito Santo, é o que nos completa e este o caminho para a sua realização pessoal. Quem encerrou sua vida em si mesmo já fez suas exéquias. Cada afirmação que revele fechamento e não abertura é uma sentença de morte;

 

  1. Somos católicos porque temos em nosso “DNA” a marca do diálogo, é assim que lemos a encarnação do Verbo. Ele assumiu nossa humanidade para dialogar conosco. Por misericórdia se fez como nós, menos no pecado. Também nós, menos naquilo que não é nossa identidade, devemos nos relacionar com quem é diferente de nós, devemos nos encarnar, ou se preferir, devemos ser continuadores do Mistério da encarnação. Como costumo dizer: “Nós somos chamados a sermos ecos do Verbo feito Carne”;

 

  1. Nossa catolicidade, embora também seja geográfica, não se limita a este entendimento espacial e cronológico, vai além! Somos católicos porque temos pelo entendimento do Evangelho a capacidade de dialogar com toda e qualquer cultura não importe o espaço geográfico onde ela se encontre ou o tempo em que ela exista. O nosso jeito de ler e aprender o Evangelho nos diz que realizamos nosso chamado na abertura a dialogar.

 

  1. Existem muitos irmãos evangélicos de diferentes denominações ou orientações dogmáticas que não sendo católicos pela doutrina o são pela intenção do coração de estar abertos ao diálogo. E existem católicos que, tendo aderido à forma dogmática de ser católico a partir do rito, não o são na essência porque vivem fechado as possibilidades de diálogo por medo de colocar em risco sua identidade. Ora irmãos, nossa identidade é ser católicos. Nossa identidade é dialogar.

 

  1. Criar um mundo ilusório onde não seja necessário conversar com as realidades existentes é como querer viver de ilusões de ótica fingindo que são realidades. Por isso penso que nesta Quaresma, quero propor um caminho. A ilusão de ótica diz que pode nos descansar, nos dar sombra e nos matar a sede. Mas é mentira, ilusão criada pelas nossas expectativas. O cacto não nos promete vida fácil, é seco, não tem beleza, abri-lo é um desafio, mas ele sim costuma guardar a água que o peregrino precisa no deserto. A visão mais atraente quase sempre não é a mais honesta e a que vai gerar vida;

 

  1. No Evangelho do primeiro domingo da Quaresma, Marcos narra que Jesus, depois de ter vencido a tentação, vivia no meio das feras e animais selvagens e os anjos O serviam. Antes disso, no entanto, ele foi levado pelo Espírito Santo ao deserto e passou 40 dias em um exercício espiritual que o levaria à tentação;

 

  1. Jesus busca no exercício do Jejum o aperfeiçoamento de si mesmo como homem em função de sua relação com o Pai e de sua capacidade de escutá-lo e ser obediente à sua vontade. Jesus quer estar no centro da vontade do Pai e nisso está a verdadeira alegria;

 

  1. Embora fazer a vontade de outrem, mesmo que este seja Deus, sempre seja um grande desafio, nem sempre pela dificuldade que a vontade dEle tráz em si e muito mais pela necessidade de quebrar o orgulho e abrir mão daquilo que a gente já tinha decidido que era melhor a fazer, é esta atitude de despojamento que gera a verdadeira alegria. “Eis que venho! Com prazer faço a vossa vontade”;

 

  1. Os 40 dias de Jesus no deserto não são narrados por nenhum dos evangelistas. Talvez porque a relação de cada pessoa com as realidades desérticas de sua existência será sempre vivida no silêncio de sua alma. No entanto, quando vierem as grandes provas, aquele que estava ocupado em aprender a dar sim a Deus no silêncio do seu coração e no cotidiano de sua vida, saberá de onde poderá tirar a resposta correta, com autoridade, e não será facilmente levado pelas circunstâncias de momento;

 

  1. Eu e você precisamos do deserto, porque a dureza do seu silêncio favorece o encontro conosco mesmo. Dialogamos com nossas virtudes e nossas fraquezas, aprendemos a buscar o equilíbrio entre cada uma delas. Jesus dialogou consigo mesmo, de seu caminho de purificação dos ruídos para ouvir apenas a voz do Pai;

 

  1. Gosto sempre de lembrar que o deserto foi obra do Espírito Santo em Jesus, foi Ele quem conduziu Jesus aquela condição. Então não podemos esperar nada a mais nada a menos do que isto. A obra do Espírito Santo é nossa maturidade e o método que Ele usa é favorecer o diálogo. O deserto favorece o diálogo, logo, os batizados e em especial os que se dizem de experiência Pentecostal, devem ser os primeiros a serem conduzidos ao deserto;

 

  1. Dialogar significa estar disposto a escutar primeiro. Quem vai para o deserto tem que aprender que o silêncio é um poderoso instrumento para vitória, porque na medida em que escutamos sabemos com quem falamos, logo, teremos melhores condições de expor nosso pensamento ou mesmo de silenciar se for este o caso;

 

  1. Por isso lembro da importância de nos dedicarmos, em especial durante o período da Quaresma, a um tempo de silêncio em um retiro pessoal. Não importa quanto tempo você consiga: 1, 2, 3 ou 6 dias, o que importa é que você saia da letargia do barulho, seja ele exterior ou interior. Os ruídos são a ilusão de ótica, eles muitas vezes se parecem com A VOZ, mas não são. Retiro de silêncio é exercício de escuta de si mesmo e de Deus que quer falar;

 

  1. Outro fator importante para o retiro quaresmal é saber identificar os demônios de estimação que trazemos dentro de nós é que em geral se manifestam diante de algum relacionamento que exige mais de nós. Os demônios como intolerância, impaciência, falta de gentileza, desobediência, se manifestam quando nos expomos nos relacionamentos que nos são mais exigentes;

 

  1. No entanto, aquilo que é a maior exigência também é o lugar de vencer estes demônios. De dar respostas como aquelas que Jesus, nosso Mestre e Senhor deu;

 

  1. Por isso não tenha medo do cacto, por mais espinhoso que possa ser, ele te dará água. Fuja da ilusão de ótica, porque você andará muito no deserto para chegar a toca-lá e jamais conseguirá, porque é ilusão, não existe. Você vai gastar suas energias por aquilo que não te fará crescer como pessoa;

 

  1. Aprendamos a fazer este diálogo relacional com o deserto. Escutar e executar a vontade do Pai. Até que cheguemos a maturidade de saber enfrentar as tentações e respondê-las com sabedoria.

 

Rio de Janeiro, 18 de Fevereiro de 2018

 

Izaias de Souza Carneiro

Comunidade Coração Novo

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